quarta-feira, 17 de junho de 2020

A árvore que existe aqui e ali

Olhou pela janela mais uma vez.  Agora o vento estava bem forte, gostava especialmente destas ocasiões, porque era quando os galhos daquela árvore se moviam mais. Naqueles dias em que se passava mais tempo dentro de casa do que fora, tornara-se um hábito silencioso contempla-la: suas folhas verdes, os pássaros que a povoavam, seu movimento em sincronia com o clima, a chuva que se derramava em cima dela. Gostava mesmo daquela árvore!

Ela compunha uma paisagem interessante. Em meio aos edifícios que circundavam toda aquela área, ela reinava no quintal da única casa que podia se enxergar por ali. Era única, mas não parecia deslocada. Não sabia que tipo de árvore era aquela, nunca se interessou muito por este assunto de plantas, mas ela, de maneira especial, sempre tinha um jeito de captar seu olhar. 

Não era muito familiarizada com árvores porque era alguém que crescera no cenário urbano, casas e prédios, asfalto, concreto, calçadas e passarelas. As plantas eram artigos dos canteiros e jardins, ou das paisagens rurais, que achava bonito, admirava, e olhava de longe. Ao menos neste processo sua relação com aquela árvore seguia o padrão: olhava de longe.

Lembrou-se da maneira que muitas vezes se sentiu ao assistir programas, vídeos e filmes em que se mostravam as maravilhas das paisagens florestais. As cores, os animais, os sons, achava que tudo aquilo era gracioso, mas quase sempre pensava: "É lindo, mas eu não queria estar ali no meio". Tentou imaginar-se subindo aquela árvore que observava do seu apartamento, e riu, concluindo que realmente preferia olha-la dali, ainda mais considerando que nunca havia subido numa árvore daquelas. Será que havia algo errado consigo?

Foi assim que trouxe à memória uma experiência que teve, num momento, há alguns anos atrás, em que comparara aquilo que estava vivendo e meditando com o seguinte cenário: uma rua de concreto que estava com o chão quebrado, embaixo podia-se ver que havia terra e até uma planta sufocada, mas predominava o concreto. Esta imagem a ajudou a refletir sobre si muitas vezes... Gostava do ambiente organizado, plano, bem construído. A terra era bagunçada, sujava as coisas, não tinha muita ordem, as plantas não cresciam uniformemente, não dava para saber para que lado iria cada galho, qual seria o tamanho das folhas. Por isso preferia o concreto. Poderia ser bom quebrar mais o chão e ver o que tinha embaixo? Era difícil quebrar o chão duro, ia fazer sujeira e bagunça, mas talvez valesse a pena!

Era isso! A árvore que enxergava pela janela representava, de certa forma, aquela quebra. É claro que se você considerar a lógica da construção daquela cena, os prédios viriam depois e a árvore é o de mais natural e antigo que existe ali. Mas na sua imagem mental, era o contrário, o natural era o asfalto, e a árvore nascera das brechas do chão quebrado. Ficou imaginando o que poderia haver embaixo de todos aqueles prédios que observava. Será que eram eles realmente a melhor versão daquela paisagem? Será que se fosse de outra forma teria mais beleza, teria mais sentido?

E lá vinha mais dois pássaros pousar em um dos galhos da árvore, eles tinham um canto agradável, eram, em parte, amarelos, mas não sabia nomeá-los, também não tinha conhecimento sobre este assunto. Só gostava de vê-los de longe também. A árvore atraía os passarinhos, ela atraía vida, mesmo na sua imobilidade, ela gerava movimento ao seu redor. Isto era encantador!

Seu movimento não era seu, era do exterior que vinha o vento, a chuva, a poda, que transformavam sua figura. Imaginou que a colaboração da árvore era não se opor ao movimento exterior, talvez se resolvesse se opor à ação do vento, por exemplo, seus galhos quebrariam facilmente! Mas que bobagem pensar nisso, sendo que a árvore obviamente não tem consciência dos movimentos externos que a afetam. Mas existe um movimento não consciente, mas natural e constante, de sua parte: o crescimento. A raiz cresce, a copa cresce, sem muita ordem e cálculo, mas cresce. E ao passo que expande sua raiz, mais forte ela fica. 

Sentiu certo afeto por aquela árvore, e quase invejou algumas de suas características. Como por exemplo o fato de que ela expressava, ao mesmo tempo, firmeza e flexibilidade. A firmeza era mais interna, lá embaixo da terra, com suas raízes fortes;  a flexibilidade mais visível, se manifestava no clima, na poda, no acolhimento dos outros seres. Talvez devesse aprender a ser mais assim. Traçou outros paralelos em sua análise, alguns divertidos, outros absurdos! Riu de si naquela conversa muda com sua amiga. E permaneceu olhando de longe, gostava assim.

Estava feliz porque ela havia sobrevivido em meio àquele ambiente residencial. Uma árvore não era algo com que se envolvia diretamente no seu cotidiano; e mesmo assim, naqueles últimos meses que olhara tantas vezes para ela, percebeu o quanto era agradável sua existência ali, além da moral da ecologia. Enfim, voltou à imagem mental daquele chão quebrado e das pequenas brechas, decidindo-se por investigar o que mais havia ali embaixo...

Passou um tempo e começou a chover, ela ficou lá, como quem sorve a quantidade necessária de água, como quem não se esquiva de todas as agitações contingentes.