quinta-feira, 21 de maio de 2020

O que é preciso

A dor do pecado me atormenta, sinto-me culpado e indigno
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Tenho medo do que me pede, do amanhã, do sofrer, do risco
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Tudo o que vejo parece maior do que eu, nesta incapacidade fraquejo e me paraliso
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

As belezas do mundo me encantam, me arrastam o prazer, o gozo, os sentidos
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Apavora-me a solidão, então cerco-me de relações, luzes e possibilidades, e me divido
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Eu saio de Vosso abraço e busco outra atenção, resolver minha vida, preencher meu vazio
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Faço tanto, corro tanto, que tiro de Vossas mãos a obra e o motivo
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Sonho em ser o primeiro, aquele preferido, o mais amado, admirado e querido
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Quero experimentar, ter, viver, sentir e fazer, sem me prender ao Vosso juízo
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Não compreendo a dor do mundo, preso em mim, o valor do outro se perde no meu egoísmo
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Sou inconstante, incoerente, há um turbilhão entre o que eu quero, penso e sinto
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

Tanto eu recebo, tanto Vos experimento, que é absurdo ver que ainda me perco, ainda duvido
Mas dai-me um coração apaixonado por Vós, e só disto que eu preciso.

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Apaixona-me por Vós,
Com Vosso Amor purifica toda a potência que trago em mim pela paixão.

Apaixona-me por Vós,
Conquista todo espaço que cedi ao devaneio, à ilusão.

Apaixona-me por Vós,
Vence tudo que não é Vosso, toda a tentação.

Apaixona-me por Vós,
Convence-me de Vosso caminho, verdade e salvação.

Apaixona-me por Vós,
Pacifica toda guerra contra Vossa Vontade, cesse a rebeldia e a murmuração.

Apaixona-me por Vós,
Sacia a minha sede de absoluto, de intensidade, de perfeição.

Apaixona-me por Vós,
Lança-me ao outro, à Caridade, ao desprendimento, à doação.

Apaixona-me por Vós,
Deixa-me experimentar a Misericórdia, que me levanta e lava meu coração.

Apaixona-me por Vós,
Resgata minha alma do abismo, da tibieza e da confusão.

Apaixona-me por Vós,
Que amar-Vos no que sou e no que faço, seja minha meta e direção.

Apaixona-me por Vós,
Marca-me profundamente com Vosso chamado e eleição.

Apaixona-me por Vós,
Une-me eternamente ao caminho que me deste para conhecer a Cruz e a Ressurreição.

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Amar-Vos Deus, apaixonar-me por Vós, amar-Vos e estar ao Vosso amor unido
Imutável, sobrenatural, louco, incompreensível, eterno e cheio de sentido
Deixar que a cada dia ele me desperte, me guie, seja auxílio e abrigo
Lutar contra o que me afasta dele, pela graça viver, ser sustentado e movido

Sim, eu descobri, que é só disto que eu preciso.

domingo, 3 de maio de 2020

Ordinário. Inusual. Extraordinário. Essencial.


Naquele momento andava pela rua deserta, como estava fazendo já por um tempo. Prestava sempre atenção no movimento, ou na ausência dele. Quase todos os dias, deserto. Alguns carros passavam, uma ou outra pessoa andando carregando uma sacola de supermercado. Era engraçado que quando os olhares se cruzavam, eles eram de desconfiança, um medo ou um certo pesar por estar na rua... Muito estranho! Havia um homem que ficava sempre sentado numa esquina, às vezes acompanhado de uma mulher e uma criança. E o que mais gostava era a pessoa de um dos prédios que tocava piano. Não era possível identificar de onde exatamente vinha o som, mas gostava de imaginar que era uma senhora, tocando o piano bonito da sua sala para espantar a solidão. Pronto! Era este o cenário da nova realidade da cidade, do estado, do país, quase do mundo inteiro. Respirava fundo fazendo sua prece e afirmando, é transitório, vai acabar.

ORDINÁRIO
Nisso viu-se transportada à uma reflexão sobre o ordinário. Era fato que sua vida ordinária já era bem estranha para a maioria das pessoas. Seu ordinário era viver em silêncio durante toda a manhã, celebrar as laudes, a Missa, rezar duas horas. Almoçar com sua grande família, ir ao seu trabalho a tarde e etc. Via muita gente ao longo do dia. Participava frequentemente de eventos que reuniam milhares de pessoas. Planejamentos, reuniões, acompanhamentos. Ouvir os outros, tocar na vida dos outros, interceder pelos outros. Colocar o que sabia a disposição e se dispor a sempre aprender coisas novas. Suspirar e fechar os olhos fazendo uma prece e dizendo: isso tudo me ultrapassa, eu não aguento se eu tomar as rédeas, eu Te deixo no controle, Senhor. Esse era o ordinário, que afinal, nunca foi comum...

INUSUAL
O ordinário a fez pensar no inusual. De repente tudo mudou. Não haviam mais as multidões, os barulhos, o movimento de cada dia. Era um tipo de isolamento, uma medida de segurança, uma imposição das autoridades para a segurança do povo. Uma loucura! Uma situação que causava uma perplexidade e um estranhamento profundos. O inusual empoderado ditava um distanciamento social, criava o deserto na rua já descrita, mexia com o psicológico e com a vida de todo mundo. Era uma sensação de incerteza, uma aflição pelos que estavam em risco. O inusual trouxe muitas ausências: De coisas, pessoas, lugares, do sagrado, do bom hábito. E agora? O contexto empurrou todo mundo para outro mundo onde não havia deserto, onde a barreira do distanciamento físico nunca fora um problema: o continente digital. Todos ficaram mais online do que nunca. Na rede, não havia impedimento de aglomerações. A maneira de comunicar e trabalhar era assim: reunião virtual, home office, video call, mensagens, áudios... E toda a novidade que aparecia! Bom? Ruim? O julgamento fica em segundo plano quando a circunstância não parece permitir outra saída. O inusual parecia ter uma característica sorrateira, que podia transformar boas intenções em armadilhas. Observava e ouvia tantas histórias, as pessoas pareciam mais vulneráveis. Quanto menos mobilidade havia, mais agitação interior parecia haver. Ativismo, desejo de aparentar que estou fazendo muitas coisas, coisas boas. Será? Era um terreno desconhecido, como aqueles de joguinhos de campo minado, em que cada passo exige uma análise para não pisar e "boom". O inusual instaurou-se e ninguém sabia quando ele ia embora. 

Em tempos em que a vida ordinária muda drasticamente e que o inusual assume a situação trazendo soluções paliativas, tentava pensar no bem que saía de toda aquela confusão. Sua primeira conclusão foi: realmente a criatividade é algo belíssimo, que só pode ser profundamente entendida como um reflexo divino: Deus, o criativo por excelência, o Criador. Que belo traço de criatividade Ele deixou em suas criaturas. E para o bem ou para o mal, de fato, criatividade não faltava...

EXTRAORDINÁRIO
Com isso, mergulhou no extraordinário! Ah este era muito presente no seu ordinário. E felizmente, o inusual não o roubou. Pois é! O extraordinário se reinventou. Era uma avalanche de informações e de iniciativas de solidariedade. Eram ações de anúncio de fé, esperança e amor criadas a cada dia. Era muito trabalho, mas de uma forma totalmente diferente. Era como se tudo parasse para que pudesse ser observado e reavaliado. Multiplicavam-se a cada dia as ideias. Crescia a cada dia o desejo de levar o extraordinário, de mostrar que ele estava vivo e operante para aqueles que estavam com o olhar preso o inusual. 

ESSENCIAL
O extraordinário com sua força latente revelava o essencial. Era uma dor estranha, porque existiam muitas complicações vindas daquela situação inusual. É verdade! Mas além dos muros do isolamento, além dos números aterrorizantes, além dos conflitos internos e externos, estava intacto o essencial. Ele é a verdade que não engana, o norte que orienta, a promessa que não falha. Por isso o extraordinário agora era multiplicar formas de comunicar o essencial, porque é Ele a salvação e a chave da sanidade no tempo da crise. O essencial é belo, Ele saiu dos limites de um espaço sagrado, para encher de beleza os lugares de confinamento. O essencial é bom, Ele se compadece e move a compaixão no coração de tantos que dão de si para ajudar o outro. O essencial tomou diferentes formas e formatos, penetrou nas mais variadas redes, multiplicou experiências para que os isolados pudessem estar juntos de alguma forma. Reuniu virtualmente e efetivamente poucos ou muitos para cantar, sorrir, rezar, partilhar, se divertir. O essencial deixou-se captar por lentes de uma câmera, deixou-se reproduzir em pequenas e grandes telas. Uma verdadeira prova de uma graça viva e multifacetada. 

No escuro, na rua vazia, diante das portas trancadas, das notícias ruins, das incertezas do amanhã, dos gemidos de dor, dos suspiros de tensão, de uma sensação de liberdade roubada, de perdas irreparáveis, da ansiedade que ronda tentadora  querendo crescer no coração, o que fazer? Para! Faz sua prece e percebe que a presença e a voz estão ali! Era esta a voz que queria fazer ecoar para todos: O ordinário vai voltar e que seja melhor; o inusual passará e que suas marcas tragam amadurecimento; o extraordinário dinamicamente se esforça para nos ajudar a prosseguir; e o essencial nunca muda, nada pode destruí-lo e Ele prevalecerá. 

Publicação original: https://www.comshalom.org/ordinario-inusual-extraordinario-essencial/