sábado, 17 de março de 2018

O Bolo


Era um domingo. Dia feliz, dia especial, dia mais importante da semana, e assumia, com contentamento essa perspectiva da importância do dia, dada por sua fé. Naquele particular "Dominus Dei" estava na cozinha preparando as refeições.

Resolveu fazer um bolo de chocolate. Depois de toda a bagunça do almoço, ainda não parecia incômodo lançar-se em mais um evento culinário. Ao contrário, a perspectiva do bolo com café amargo era muito motivadora. Focando nesse momento futuro, embarcou na missão. Resolveu fazer de uma maneira diferente do que de costume. Sempre se impressionava com os vários modos encontrados na internet de fazer uma mesma coisa... a criatividade humana sempre lhe causara essa agradável sensação de surpresa. 

Tudo feito, colocado no forno recentemente reformado. Aliás, lembrou-se que era a primeira vez que ele era utilizado após troca de uma peça. Isso causou certa insegurança a respeito do resultado, mas o pensamento logo passou. Enquanto assava seu bolo, resolveu fazer outras coisas na casa.  Mais uma situação que sempre lhe causara uma sensação de surpresa, mas não tão agradável como a outra mencionada, era como sempre havia coisas a fazer e resolver em uma casa. Era uma tarefa interminável!


Quando era tempo de tirar do forno se aproximou da cozinha e sentiu um aroma não tão agradável... "Queimou", pensou. E de fato, a temida falha aconteceu. Um sentimento de frustração reinou naquele momento. Aconteceu aquela comum avaliação de inúmeros "se"... Se eu não tivesse ficado longe da cozinha, se eu tivesse levado em conta que esse forno sofreu uma reforma recentemente, se... Mas, estava feito.

Deixou esfriando e foi fazer uma ligação. Enquanto estava naquele diálogo que era necessário e agradável, percebeu o quanto estava ainda chateada com a questão do bolo, isso transparecia na sua pouca paciência na conversa. Ficou incomodada ao concluir o quanto algo tão pequeno causou tamanho impacto. E daí que o bolo queimou? Mas a pergunta retórica não aliviou a frustração. E mais ainda, a pessoa do outro lado conseguiu captar sua impaciência, e perguntou se havia algo errado. Com embaraço por não querer admitir que toda a insatisfação era por um bolo queimado, negou! "Está tudo bem"!

Ligação terminada, bolo já esfriara, e mesmo com partes queimadas, o objetivo de comê-lo com café amargo foi atingido. Entre goles e mordidas, pensava no quanto o desejo por controle gera uma falsa impressão de que somos soberanos em nossa vida. Viu-se a tola que quer controlar o que está dentro e o que está fora, que quer controlar os resultados, dos mais simples, aos mais complexos. Que engano!

Porém, mesmo admitindo o engano, não deixava de ver dentro de si aquele rastro persistente de querer ter poder sobre o que acontece. Como pode? Planos, reflexões, preparação, moldes, treinamentos, estratégias, receitas! Quantas coisas criamos para minimizar ou erradicar a possibilidade do erro. E isso tudo não seria uma máscara para a insegurança, o orgulho, o perfeccionismo? Identificava isso em si, não tendo certeza da exata medida, mas estava lá.

Controlar, dominar, ter poder... Como o ritmo da vida empurra para a noção que de se deve ter controle, domínio e poder. Isso é sucesso? Isso é satisfação? Pode ser que dentro de si, bem lá no fundo, esteja enraizado esse conceito, mas não é bem assim! Pensou que os pontos mais essenciais de uma pessoa não é determinado por seu controle, e são exatamente esses pontos que temos de mais precioso. Não se controla, por exemplo, a identidade e a vocação, elas são dons a serem descobertos, abraçados e trabalhados, mas não controlados, com rédeas e meticulosidade. 

Escolhemos os ingredientes, definimos as medidas, colocamos a mão na massa, seguimos uma receita, damos o nosso toque final, mas nunca temos a certeza de como será o resultado. 

E assim seu café da tarde, naquele "Dominus Dei" tornou-se momento de desejar que sua vida não estivesse mais sob seu pobre controle. Desejou aprender a ser mais tolerante com o que não sai como o planejado e a ter mais inteligência e equilíbrio para acolher que de tudo se tira um bem, se a postura interior é sustentada por quem realmente domina todas as coisas. Se essa certeza interior transbordar para as atitudes, as tolas frustrações não serão sentidas nas relações com o outro. 

Que livre é quem não domina, não controla e saber viver bem assim!   

No final das contas, até que o bolo estava bom! Queimou um pouco por fora, mas o sabor e a textura estavam muito agradáveis. Considerou que aquele erro mais ajudou do que atrapalhou, afinal quem diria que algo tão ordinário revelaria algo tão extraordinário dentro de si! Louvou a graça de ter uma vida regida por providências e de ver nas pequenas coisas, enormes oportunidades para aprender sobre si e, tendo aprendido, progredir.