segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Se eu amasse a Deus

Se eu amasse a Deus tudo seria mais ordenado. Meu silêncio interior existiria, e eu não ouviria tantos apelos que minha carne grita, reivindica, exige.

Se eu amasse a Deus perceberia o Amor perfeito que Ele tem por mim. Não ficaria esperando o amor do outro, a aceitação do outro, o elogio do outro. Nesse contínuo processo de busca que não encontro, de sede que não sacio.

Se eu amasse a Deus não seria tão difícil imaginar minha vida sem as coisas que eu tenho certeza que roubam-me Dele. Não seria tão sofrido desprender-me do ócio, daquilo que mata o tempo.

Se eu amasse a Deus, não amaria tanto outras coisas, não me importaria tanto com o que perco, com o que ganho. Eu veria em tudo a destra poderosa que não desampara, o consolo que não falta, a sabedoria que conduz.

Se eu amasse a Deus não transformaria meus relacionamentos em idolatria, não me tornaria dependente dos outros. Não os colocaria na frente Dele. Não colocaria tanta pressão, expectativa e responsabilidade naqueles que não podem chegar nem perto do que eu preciso.

Se eu amasse a Deus não tentaria tantas vezes ser senhora do tempo. Não me agarraria tanto ao passado, não me preocuparia tanto com o futuro, não lamentaria o presente. Se deixasse que Ele fosse senhor do meu tempo, as horas, os dias, os anos, teriam muito mais suavidade e sentido.

Se eu amasse a Deus me ocuparia mais com a nossa relação de intimidade. Não encontraria tanta dificuldade em estar a sós com Ele. Teria muito a dizer e muito a ouvir. Meu silêncio seria mais fecundo, minha contemplação seria mais bela, minhas palavras seriam mais precisas.

Se eu amasse a Deus não seria refém dos meus vícios. Não acharia tudo normal, não criaria desculpas para os pecados que não consigo vencer. Não acharia o certo radical demais. Não seria fácil fazer o que é errado. Não me acharia certa por fazer um pouco, porque tantos fazem nada. Meu esforço seria por fazer cada vez mais, exatamente porque tantos fazem nada. Seria penoso desagradar o meu Amado. 

Se eu amasse a Deus minha conduta de vida faria com que aqueles que não tem fé se questionassem. Não seriam necessárias tantas palavras e argumentos para convencer. Minha coerência seria contagiante, minha alegria sairia pelos poros, meu testemunho, de fato, arrastaria.

Se eu amasse a Deus me conheceria melhor. Pararia de tentar a minha fraqueza caindo nas armadilhas que eu mesma crio para mim. Reconheceria minha vaidade e meu orgulho, e deixaria que o Senhor reinasse sobre eles. Saberia minha identidade ontológica, não me faria um personagem.

Se eu amasse a Deus saberia diferenciar realidade e fantasia. Minhas decisões não seriam fuga, minhas ações não seriam desmedidas, e meu dinamismo seria inspirado. Não seria estagnada, não me perderia em devaneios, não me perderia em criações da imaginação.

Mas ao cair da noite, percebo que o brado de São Francisco é para mim: "O Amor não é amado". E nessa quase denúncia, me vejo criminosa. Mas o brado que ecoa em meus ouvidos não acusa, porque não vem da justiça humana. Ele, ao contrário, convida à mudança porque é divino.

E no início de mais um dia, pergunto então a Deus: Que misericórdia é essa que chega até a doer? Que Amor é esse que não cansa de esperar? Que paciência é essa que tudo suporta? Que misericórdia é essa? Que misericórdia é essa?

E constrangida, pequena e desorientada, concluo que bom mesmo seria, se eu Te amasse.