quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Uma Jornada de Sol

Era tudo especial! Aquela viagem era uma sucessão de emoções, lugares, sentimentos, ensinamentos que se superavam e completavam. Mas como toda viagem, tinha data para acabar, e era quase nesse ponto que se encontravam.

Havia neles o desejo de tornar tudo memorável, mas sabiam que pelo curso que tudo tomava, isso não era difícil, não exigia tanto esforço... Naquela tarde, andar pelas ruas, cantando e deixando que a vida tivesse trilha sonora parecia combinar com tudo ao redor e certamente preenchia uma parte do coração que ansiava por emoção, por aquele sentimento que não se traduz em palavras, mas existe da sede de sentir-se próximo, sentir-se parte de uma sensação compartilhada. 


Essas sensações envolviam também uma imaginação divertida, que criava histórias para os pontos daquela cidade que nenhum guia turístico poderia superar, verdadeiros ou não, os fatos imaginados eram tudo o que precisavam naquele momento.


Chegando ao monumento que era o destino final... fotos, caminhadas, risos, conversas. Tudo era leve, fácil. O clima era muito agradável, fresco. Até a chuva fina foi bem vinda, o que estava fora refletia a dinâmica do que estava dentro. Mas o objetivo mesmo era registrar o fim de tarde e as luzes da noite daquele lugar. Esperar até que as luzes se acendessem não era uma espera interminável, afinal, a relatividade do tempo é bem ativa quando vivemos momentos agradáveis, tudo parece voar.

Luzes acesas, noite estabelecida, objetivo atingido, e então nasce uma outra ideia: jantar com vista para aquele ponto. A sugestão soava bem, e foi aceita por todos. Então começa a procura pelo lugar perfeito. Logo percebia-se que só um deles tinha certo critério na escolha do lugar, os outros pareciam aceitar tudo... Porque estavam tão envolvidos no momento que nada poderia estraga-lo, ou por simples ausência de exigências. A pessoa com critério assumiu a missão da escolha, passaram por alguns lugares, nada parecia preencher os requisitos desconhecidos, mas bem impostos. Quase  na esquina, onde parecia que o monumento que queriam observar já não seria tão visível, lá estava o restaurante.

Convencidos pela simpatia de uma hostess e talvez pelo fato que estavam acabando as opções, encontraram o lugar. Nem se aventuraram a olha-lo por dentro, afinal a meta era ter aquelas luzes e aquele monumento de pano de fundo. Sentaram-se em uma mesa na calçada. Um deles ficou de costas para a desejada vista, mas parecia não ligar. Acomodados, satisfeitos com a escolha, decidiram o que comer e beber. Foi quando os ânimos acalmaram, quando pararam, que perceberam o movimento que os cercava o dia todo, mas até então não os tinha alcançado. 

A saudade do que estava acabando, o receio do final e do novo início reinou. Esse cenário atingiu uns mais profundamente do que outros, mas como nos atos anteriores daquela peça compartilhada, todos embarcaram na sensação. Ela não era tão boa quanto as outras, tinha uma certa melancolia, um certo silêncio imponente, que transbordava em olhares perdidos e longos suspiros. Mas estava tudo bem! Não estava?

Foi quando a providência que os regia adicionou aquela surpresa oportuna. Quando menos esperavam ouviu-se o som da voz forte e agradável de uma cantora. Ela cantava músicas típicas daquele lugar, assim concluíram que viviam mais uma experiência para ser contada, e algo que quase todo mundo que ia ali buscava. Que feliz surpresa! Não era mais necessário criar uma trilha sonora para o momento, porque ela estava ali, perfeitamente atrelada ao local.

Porém, nem a música foi capaz de afastar a sombra que havia pairado entre eles, trazendo a notícia do quase final. O clima era leve, mas tinha perdido a leveza divertida que foi substituída por uma mais reflexiva. Poderia-se dizer que essa atmosfera apesar de melancólica, selava uma certa cumplicidade e intimidade construídas naqueles dias. Nesse clima não eram mais simples parceiros de viagem, ali partilhavam mais, partilhavam o que estava dentro, que era inexprimível, mas pela graça do momento, era totalmente subentendido por todos.

Ao som de "O Sole Mio" e "Funiculí, Funiculá" tentavam controlar a melancolia e viver aquela última noite juntos. Comentários aleatórios, planejamento do próximo dia, elogios ao lugar, a comida, a música, e a pessoa que não os deixou parar nas primeiras opções de restaurantes; ajudavam nessa missão.

Um foi olhar dentro do restaurante, e viu o quanto era bonito, e sugeriu que todos conferissem. E assim aconteceu, em rodízio foram olhar o local escondido. E enquanto aconteciam essas saídas e chegadas na mesa, o assunto escondido começava a emergir. Diante das partilhas e das luzes lançadas no mistério trazido nos corações começaram a falar do retorno. Para que tentar dissimular o que já estava óbvio?

Nas palavras ditas, e nas não ditas estavam expressos os anseios de corações que desejavam não viver sem sentido. Todos os desafios e as possibilidades desenhadas na vida para a qual voltavam queriam, na verdade, ser abraçados, encarnados. A experiência que os havia colocado naquele estilo de vida, dentro daquelas escolhas era extremamente exigente, mas completamente cheia de verdade, essa escolha os unia em um mesmo caminho, trilhado em lugares diferentes, de maneiras diferentes, mas que os levaria no final para uma mesma eternidade. Essa trajetória os deixava a vontade uns com os outros, gerava esse sentimento confortável de reciprocidade.

A voz da cantora cessou, o jantar acabou e eles saíram dali, carregando muitas coisas para refletir. No caminho para casa, mais sensações, filosofia de metrô, danças nos corredores, fotos cheias de sentido... Coisas de quem sabe viver, e sabe viver junto.

Nisso tudo ficam o pensamento, a sensação, a memória, e as palavras. Como é especial quando vivemos momentos que são registrados em nós como uma herança que não passa. Isso parece nos tornar mais humanos, mais próximos, mais vivos. A fé que une as pessoas que a comungam tem um poder singular de tornar especial o que é vivido por ela, pela fé e na fé. Partilhar momentos com quem entende a profundidade, simplicidade e importância deles gera essa calma feliz de quem pode relaxar e ser acolhido. Que bela coisa é essa jornada na qual a divina providência nos insere, é como aquilo que aquela trilha sonora cantava:

Que bela coisa uma jornada de sol
Um ar sereno depois da tempestade
Pelo ar fresco parece já uma festa
Que bela coisa uma jornada de sol
Mas um outro sol mais belo, ainda assim, o meu sol, está na sua fronte
O sol, o meu sol, está na sua fronte, está na sua fronte
Quando desce a noite e o sol deita-se
Me pega quase uma melancolia
Ficaria embaixo da sua janela
Quando desce a noite e o sol deita-se
Mas um outro sol mais belo, ainda assim, o meu sol, está na sua fronte
O sol, o meu sol, está na sua fronte, está na sua fronte
(Tradução de "O Sole Mio")

Em busca do sol que brilha onipotente e brilha na fronte do próximo a vida continua, como essa bela jornada de sensações, crescimento, morte e ressurreição. Uma jornada que pode ser partilhada com aqueles que encontramos no caminho e que estão caminhando na mesma direção. Jornada de finais, começos, desafios, surpresas agradáveis, mimos, e todo tipo de coisa. Jornada em que encontramos pessoas que caminham para lados opostos, e nelas descobrimos a alegria de anunciar a verdadeira direção. Jornada onde O Sol nunca falta! Afinal, Ele pode se pôr, mas nunca se apaga; e mesmo quando se põe, pode ser visto na fronte daqueles que caminham ao seu lado.