sábado, 9 de novembro de 2019

Água









Escorre daquele Lado Aberto
Silenciosa e constante, vai os espaços alcançando
Cristalina, dinâmica, mostrando o caminho certo
Passa e tudo o que toca vai purificando

Como uma delicada nascente 
Que preenche o vazio e se move ligeira
Como uma poderosa torrente
Que desafia o que é duro e destrói a barreira

Submerge
Insere na corrente o que pretendia se desviar
Descongele
Passa sobre o que passou para ressignificar 

Traz abundância 
Verdadeiramente arrasta o que poderia se perder
Traz constância
Gradativamente aumenta o desejo de nesse fluxo permanecer

Torna salubre 
O que estava sujo e contaminado vem atingir 
Torna vivo
O que era estéril e jazia na morte faz ressurgir 

Atrai e conquista Sua simples beleza
Vede ao redor quanta vida nasceu
Ora mansa, ora violenta, Sua correnteza
Faz transbordar o bem que cresceu 

Às Suas margens pode-se encontrar 
Uma paisagem que contém o eterno em um momento 
Às Suas margens pode-se desfrutar
De folhas que são remédio, de frutos que são alimento 

Vai! Segue seu percurso, seu plano de salvação
Vai! E leva consigo tudo que precisa ser transformado 
Vem! Como Tu és, transparente e limpa torna a visão
Vem! E reconduz tudo àquela vida que escorre do Teu Lado.


sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Sobre um Retorno

Havia passado da meia noite. O carro que haviam pedido pelo aplicativo dava voltas e voltas tentando chegar em sua casa. Isso porque havia um grande trecho de reformas naquela área. Pensou sobre o quanto era engraçado saber onde queria chegar, saber o caminho, mas não conseguir por causa das tantas barreiras... 

Após várias tentativas e rotas corrigidas, chegaram. Respirando fundo pensou: "voltei". E esse retorno fez com que pensasse em tudo que havia acontecido naquela noite. Concluiu que a dinâmica da volta fora conforme o acontecido naquelas últimas horas.

Começou a repassar os fatos na sua cabeça. Tinha ido meio sem vontade, insegura sobre como tudo ia ser. Numa luta consigo mesma para sair de si, ficar no conforto de si. 

Entrou no transporte público fretado, cheio de rostos conhecidos. Olhou pela janela o caminho todo, se questionando por um instante se sua linguagem corporal dizia incisivamente "mantenha distância", mas permaneceu assim... Os olhos miravam, sem muita contemplação, as cenas que passavam pela janela. A cabeça repassava suas preces, num esforço por fazer, pensar algo bom. Acreditando que suas preces pudessem contribuir com o que iria acontecer em poucos minutos.

O momento agradável, só seu, acabou. Chegaram! Mais rostos conhecidos. Cumprimentos e sorrisos. Entraram numa capela pequena para orientações. Pensou que havia passado por ali muitas vezes, mas nunca havia entrado. Foi impactada pelos ícones e figuras que encontrou. Realmente, simples e belo. A beleza da história de um homem fraco, que em suas quedas e voltas, realizou algo grande e bom para muitos. Era Pedro, e esse belo lugar chamava-se Capela São Pedro. Na parede os peixes em alto relevo, de diferentes tamanhos e cores, sugeriam o "mar de gente" que haveria de encontrar naquela noite. Sentiu-se apreensiva, angustiada, temerosa... mas as orientações acabaram e saiu! Era hora de sair!

Comeu um sanduíche que havia preparado mais cedo para esse momento, em pé ao lado daquela capelinha, já vendo um significativo fluxo de pessoas. Eram os peixes...

Saiu acompanhada de dois rostos conhecidos, saíram como quem vai fisgar peixes, mas não é pescador; como quem tem algo valioso a oferecer, mas que a maioria das pessoas não sabe que quer. Dentro de si a loucura de tudo aquilo despertava um misto de incômodo e satisfação. Foi!

O cenário daquele local perto da praia era algo de encher o olhar, completamente! Mas os olhos não se enxiam do que poderia ser considerado 'natural'. Não se ouvia o som do mar, não se contemplava a beleza do céu, não parava-se para sentir a brisa, nem para ver as ondas quebrando na noite. 

Era um festival, fervilhando de gente, principalmente jovens. Via-se no local variadas formas de ser e de se expressar. Havia muitos em situações que não considerava muito positivas... Pensou naquilo que havia trazido para eles, e eles não sabiam. Que loucura! 

Falou com algumas pessoas. A cada conversa um universo, uma opinião, um ponto de vista, digno de respeito e reflexão. Oferecia o que havia trazido, sempre pensando se havia apresentado o que trazia da maneira certa...

A cada cena daqueles que contemplava de longe, a cada interação com aqueles que tratava de perto, muitas perguntas emergiam em seu coração, questões que inspiravam diferentes sentimentos. Sentiu compaixão, sentiu medo, sentiu-se profundamente agraciada, sentiu-se responsável, sentiu esperança, sentiu também temor da ausência dela.

Naquela noite falou sobre relações, sobre perdão, sobre confiar nos outros. Falou sobre estilo de vida, sobre encontrar algo que valesse a pena investir a vida, sobre sorrisos que revelavam alegria autêntica. Falou sobre filosofia, sobre mídias sociais, sobre grandes sonhos que nascem no coração e que podem ser realizados. Falou sobre muitas coisas, sobretudo sobre histórias de vida... da sua e da deles.

Repassando essas memórias lembrou-se, mais uma vez da dinâmica do retorno para casa... Realmente havia sido aquela a regência da noite inteira: saber onde quer chegar, saber o caminho, mas dar voltas e voltas, recalculando rotas, para atingir a meta. 

Lembrou-se também dos peixes em alto relevo naquela parede sacra... Não trazia os peixes nas mãos. Não os trouxe consigo no final da noite. Deu-se conta que deixou mais do que havia trazido. Deixou lá naquele lugar, naquelas conversas, naquelas pessoas: si mesma, deixou os sentimentos que estavam em si naquela ida desconcertante, deixou sua história naquelas palavras dadas aos ouvidos do outro, deixou o tesouro que havia trazido para compartilhar.

Nesse instante, mudou de opinião! Havia sim trazido muita coisa, não trouxe peixes nas mãos, de fato. Mas trouxe histórias no coração, trouxe sentimentos novos, trouxe um tesouro ainda maior do que o que havia levado. Poderia dizer numa frase estranha, mas que fazia muito sentido naquele momento, que 'trouxe na volta o próprio retorno'. Um retorno ao essencial, um retorno cheio de questões dentro de si, que geravam um movimento de vida. 

Que belo retorno, em suas voltas, e até revoltas, cujos caminhos podem ser cheios de obstáculos e mudanças, mas o fim permanece firme. O fim é sua casa, seu lar. O cálculo sobre ter deixado mais ou ter trazido mais, perdeu a importância. Só desejou não se esquecer daquela experiência, desejou não esquecer que era sempre preciso retornar. Retornar para ir cada vez mais longe.