sexta-feira, 27 de março de 2015

1 espectadora satisfeita, 2 diretores criativos, 3 + lados de uma história

Faz tempo que não escrevo sobre filmes! Não sei exatamente porque, afinal, tenho assistido muitos, como de costume rs. Mas acho que o que faltava era exatamente o que encontrei nessas duas produções das quais resolvi falar. Bem, como sempre pensei e continuo pensando, filmes representam um gosto muito pessoal, que pode despertar impressões e relações diversas naqueles que assistem. As qualidades que encontrei em "Boyhood" e "The disappearance of Eleanor Rigby" eu descrevo a seguir, já me desculpando se por acaso você assistiu ou assistir um deles, e discordar totalmente do que irei escrever... rs
Para contextualizar devo dizer que eu amo cinema! Adoro tipos e gêneros variados de filmes. Gosto muito dos filmes blockbusters, gosto dos filminhos clichês, das trilogias épicas, dos heróis, das realidades futurísticas e dos que retratam a sociedade... Mas eu amo mesmo os filmes que conseguem tocar sentimentos e questionamentos do ser humano. Aqueles filmes que não tem reviravoltas espetaculares, que não tem explosões e perseguições que tiram o fôlego, mas que vão fundo naquilo que é real para todos: vida, duvidas e busca. Aqueles filmes com diálogos longos, sensíveis, simples ou complexos. E esses dois me ganharam nessa categoria! Devo dizer que quando assisto filmes assim, fico sorrindo por dentro diante da confirmação que realmente as pessoas não estão estéreis como a tendência negativa das massas querem nos convencer. Quando assisto filmes assim, me convenço que a beleza do ser humano de refletir sobre as pequenas coisas, ou as grandes crises, existe e pode ser retratada no cinema! Existe criatividade, sede, complexidade e esperança. Como pode-se ver, nessa parte dessa postagem você leu o testemunho de uma espectadora satisfeita, bem satisfeita rs. Agora vamos ao que interessa, os filmes e seus respectivos diretores criativos.

The Disappearance of Eleanor Rigby | 2013/2014 | Ned Benson
Dois lados do amor (no Brasil) | Tradução bem pobre do título, na minha humilde opinião

O filme escrito e dirigido por Ned Benson tem como protagonistas o casal Eleanor (Jessica Chastain) e Connor (James McAvoy). Esse jovem casal novaiorquino está tendo dificuldades em seu casamento por causa de um acontecimento trágico que desequilibrou emocionalmente e psicologicamente os dois. Não vou dizer aqui o que aconteceu, mesmo porque nem assistindo o filme você verá diálogos explícitos sobre o que realmente aconteceu... Essa é uma das belezas do filme. Algo aconteceu! Mas o foco não é o fato, o foco é como os personagens lidam ou evitam lidar com os resultados dele.
Eu estou falando aqui de 'um filme', mas na verdade, são 'três filmes'! Isso mesmo, três! Aí entra a criatividade de Ned Benson, um cara que eu nem conhecia e que em rápida pesquisa online, descobri que esse foi o seu primeiro projeto de longa metragem! Devo dizer, parabéns pela estréia Ned! Acontece que esse diretor teve a ideia de transformar seu 'um filme' em 'três', explorando a ideia que em relacionamentos, especialmente os amorosos, existem sempre perspectivas diferentes sobre uma mesma história. Benson lançou então, o mesmo filme em três versões: Him (Ele), Her (Ela), Them (Eles). A construção das diferentes versões é bonita por respeitar esse olhar pessoal dos personagens e porque, mesmo as cenas que convergem, são mostradas em ângulos diferentes. A versão 'Eles' é a comercial, nela obviamente, está a combinação das outras duas versões. Na minha opinião a versão comercial é a menos interessante. As versões 'Ele' e 'Ela' tem cenas extras, que dão mais sentido à trama e procuram permanecer fiéis à personalidade e sentimento do personagem explorado. 
Para levar quem está assistindo à um mergulho no sentimento humano, o filme conta com cenas bonitas, de poucas palavras e gestos muito significativos; com cenas em flashback mostrando como Eleanor e Connor foram ou são apaixonados; com cenas com diálogos filosóficos; com cenas de conversas onde as palavras tentam explicar, descobrir e aliviar os sentimentos de duvida e desespero. O filme fala de amor, de dor, de superação, de fuga. Fala de tentar, de falhar, de desistir, de recomeçar. Em resumo, o filme, ou os filmes, tentam captar esses momentos da vida que nos fazem tomar decisões nada fáceis. Adorei a interpretação de Jessica Chastain e James McAvoy, os outros atores não são muito conhecidos, e assim como a escolha do elenco, a trilha sonora também segue uma linha meio 'alternativa'. 
The disappearance of Eleanor Rigby é bonito, simples e sensível.

Boyhood | 2014
Boyhood - Da infância a juventude (no Brasil)


Filme escrito e dirigido por Richard Linklater. A história de Boyhood narra a vida de Mason (Ellar Coltrane) e sua família. E você poderia pensar, e daí? O ponto é que a produção levou 12 anos para ser concluída, isso porque o criativo Linklater, quis usar os mesmos atores e mostrar da maneira mais realista possível, o crescimento e a evolução dos personagens e de suas histórias. O enredo não traz nada de muito fantástico, estamos assistindo a vida de um menino, que tem pais divorciados, que aprende, vive, sonha e cresce. O filme Boyhood transforma uma vida simples em uma aventura interessante e intrigante. 

Um dos aspectos que mais gostei do filme foi o cuidado com a fidelidade com os acontecimentos contemporâneos. Vemos referências da situação política do país, a evolução dos vídeo games rs, as músicas populares de cada momento, os livros populares de cada momento. Há referências de cultura popular que passa por Bitney Spears, XBox, Harry Potter, tecnologia kinect, Saga Crepúsculo, Lady Gaga, Facebook... E mais, eles mencionam Star Wars pelo menos duas vezes =) ... Ponto para eles!!! 
Mason, o protagonista, não é um menino excepcional. Ele tem sonhos e talentos, mas não é um gênio! O aspecto de Mason que eu mais gosto, é sua sensibilidade e sua busca por descobrir quem ele é e o que quer fazer com sua vida... Acho que tendo o pai que ele tem, interpretado pelo ótimo Ethan Hawke, fica meio que fácil crescer com um espírito reflexivo rs. A parceria do diretor Linklater e do ator Hawke já é atinga... Sempre seguindo essa linha de filmes reflexivos (Before Sunrise 1995, Before Sunset 2004, Before Midnight 2013, que também adoro). Seria injusto não mencionar também a mãe de Mason, interpretada por Patricia Arquette, que ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante por esse trabalho... Falando em Oscar, ainda não acredito que Richard Linklater não ganhou o de melhor diretor!!! A produção foi indicada à 5 Oscars, inclusive melhor filme.
Boyhood é de uma sensibilidade muito bonita! A maneira que o jovem Mason gosta de fotografia, de captar 'o momento', do como ele observa os acertos e erros dos pais e mesmo assim consegue construir uma personalidade própria, o significado dos presentes que ele ganha, do como ele se expõe à diferentes realidades e oportunidades na infância e adolescência... É impossível não se identificar com pelo menos um aspecto! Além de tudo isso, adorei a trilha sonora. Boyhood é original, íntimo, belo, e profundo de uma maneira sútil e simples.

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Agora que já cobrimos os pontos 1, 2 e 3 do título dessa postagem, é hora do " + "... As curiosas semelhanças!

+ Os dois filmes tem pouca ação e muito diálogo;
++ Os dois filmes não têm aquela conclusão fechada e direta;
+++ Os dois não entram na categoria 'filme típico', em nenhum sentido.
++++ Os dois fazem explícita referência aos Beatles! Eleanor Rigby é o nome de uma canção da banda. Em Boyhood, Mason ganha no seu aniversário de 15 anos, um CD dos Beatles de seu pai, o fato especial é que seu pai organizou e selecionou as faixas em uma ordem e lógica singulares. Ambas referências são tratadas nos filmes;
+++++ Como escrevi acima, ambas produções tiveram um diretor que também escreveu o roteiro.
++++++ Ambos posters oficiais mostram pessoas deitadas na grama hahaha



E devem ter mais semelhanças, que minha limitada capacidade de relações deve ter deixado passar... Eis aí mais uma beleza comum aos dois, sei que se assistir novamente, irei descobrir algo novo ;) 

quinta-feira, 19 de março de 2015

Uma ideia, uma música, um café, um futuro

Olhava na tela o arquivo ainda em branco. Retorcia-se na cadeira tentando parecer bem-sucedido, não sabia para quem ou para quê, talvez para si mesmo. Não entendia porque estava tão travado... não era isso que queria? 

Era jovem, havia iniciado sua faculdade. O trabalho que o travava naquele momento era o primeiro que iria fazer. Precisava discorrer sobre 'perspectivas de qualidade vida e futuro de sucesso no mundo de hoje tendo em vista algumas correntes filosóficas que estava estudando'. Com leve desapontamento lembra-se que havia se gabado em sala com quem estava em volta, não lembrava quem... O fato é que havia se gabado dizendo que o trabalho era ridículo, que esperava mais da esfera acadêmica...

Pegou seu computador, foi àquele café que gosta de ir, colocou fones de ouvido, e ouvia Chopin tocando piano. Gostava daquele piano, suave e meio triste... Triste não era bem a palavra, não sabia definir, mas sentia que aquilo combinava com o momento. Assim como, o copo de café, a mesa daquele lugar com tons escuros, luminárias bonitas, sofás e pessoas pareciam combinar... Combinar com seu arquivo em branco?

Frustração! Era isso que sentia agora. De repente começou a se questionar se havia escolhido o curso certo, se havia escolhido a cidade certa. Só o que fica muito claro antes de sua decisão era a vontade de sair de casa. Foi precipitado? - Não! Balançou a cabeça desaprovando e afastando de si aquele pensamento. Enfim, era essa sua realidade agora e tinha que lidar com ela. E verdadeiramente o novo, o desafio, a independência, o incerto eram bem estimulantes. Havia um mundo de possibilidades. Estava em uma boa universidade, ali havia possibilidades de pesquisa científica, estágios, intercâmbios e mais... Mas se não conseguia escrever uma porcaria de trabalho introdutório como poderia sonhar em conseguir algo assim? 

Desafiando o arquivo em branco estala os dedos e escreve: "São numerosas as possibilidades de...". De o que? Parou, e o pensamento foi longe. Possibilidades, como as que analisava dia e noite antes de vir parar nesse curso e nessa cidade. Nunca entendeu porque as pessoas eram empurradas tão cedo a esse tipo de decisão. Estava preparado? Com o rosto subitamente empalidecido lembra-se do grande desconforto de seus pais a respeito de sua decisão. Lembra-se das inúmeras orientações e súplicas de sua mãe para que "não esquecesse quem ele era". Quem eu sou! Hum, um pensamento útil se falamos de filosofia, o mais clichê de todos. Mas ainda nenhuma ideia... 

Preso ainda no pensamento sobre os sermões de seus pais, pensa como seria divertido se eles soubessem o que dizem esses filósofos sobre os valores que eles sempre defenderam... Seria divertido ver o choque no rosto deles! Ahh nem tanto, seus pais eram pessoas esclarecidas, já sabiam dessas opiniões e nunca se viram desmoralizados por elas... Talvez fosse isso que o estivesse travando, as teorias em que deveria de basear eram contrárias ao que havia vivenciado até então. Será? Talvez fosse apenas um conflito de ideais. Absurdo! Não poderia deixar que isso fosse estritamente sobre sua experiência pessoal, tinha que ser mais... flexível?

Revisando alguns pontos daquelas teorias em que deveria se basear reafirmou o quanto discordava de tudo aquilo. É claro que haviam pontos obscuros, abertos para discussão, mas em uma visão ampla: discordância. O piano de Chopin estava especialmente lindo e melancólico agora... Gostaria de ter aprendido a tocar piano! Hum talvez ainda aprendesse... A verdade é que tinha essa ideia fixa que era muito velho para começar a aprender. Mas tinha outras metas em mente, muitas, muitos sonhos e planos. Sorriu... Seu sorriso era melancólico como a música que ouvia. Será que conseguiria fazer tudo aquilo que sonhava? Era realmente algo para se questionar, principalmente se considerasse que alguns de seus planos eram totalmente contraditórios à outros... Depois de alguns instantes de pensamento vago, percebeu que Chopin não estava mais tão melancólico, e ele decidiu não estar também! 

Qualidade de vida e futuro! Qualidade de vida e futuro? O que tinha a dizer sobre isso? E mais, o que tinha a dizer sobre isso à luz desses filósofos? A verdade é que eles não conferiam nenhuma luz. Não colaboravam muito com sua linha de raciocínio... Sorriu pensando que sua mãe diria: "Bravo"! Desde que havia chegado ali via tantas coisas que o faziam questionar os valores que tem, ou tinha, ou que tem ainda... É claro que não saía por aí comentando sobre suas opiniões, afinal, as pessoas são livres para fazer o que querem, não é? Mas algumas atitudes o afetavam mais do que gostaria. Em sua cabeça parecia tão simples que as pessoas não deveriam fazer coisas estúpidas que levam à desvalorização de si mesmas e à sucessão de eventos sem sentido. Opa, seus pais ficariam felizes de novo...

O fato é que se sentia profundamente privilegiado por ter crescido em um ambiente que lhe mostrava valores, que inspirava sonhos e metas, que tinha regras, bem irritantes às vezes, mas que o ajudaram a refletir e entender muitas coisas. Entendia que isso não era muito comum hoje em dia. Tudo é moderno e permitido. Nunca foi um perfeito obediente de regras, sempre questionou e lutou, mas sempre encontrou espaço para ouvir e ser ouvido. Achava que todos mereciam essa chance... mas afinal, o que tinha ele a ver com todos? Nada! Nada?

Mas não podia negar que era meio triste. Estava tão ansioso pela faculdade, pela vida adulta, e a maioria do que via lhe parecia perda de tempo. De repente ouvia em sua cabeça, as vozes dos dois caras com quem estava dividindo o apartamento: "Relaxa"! De certa forma compreendia que sua atitude e negação à certas coisas incomodava os outros. Não queria incomodar, queria ser 'cool', mas não queria deixar de ser quem era. Isso era tão irritante.

Festas e porres, relações casuais e total despreocupação com quase tudo, a não ser aparências. Nada disso o seduzia muito. É claro que algumas facilidades que já existiam antes e que se tornaram mais fáceis ainda eram bem interessantes... Sorriu, um sorriso malicioso. Parou. Não era isso que queria. O que queria então? Qualidade de vida e futuro de sucesso? Riu novamente. O problema é que as tendências que via ao seu redor e as ideias apresentadas por aqueles caras que ele tinha que estudar não estavam em consonância com o que imaginava ser bom... Chopin estava em consonância com o que estava sentindo agora - ele riu. Hum e aquele café também! Que havia acabado por sinal. Levantou-se e comprou outro. A moça que o atendeu tinha um sorriso bonito, ele a via ali regularmente, e gostava quando ela o atendia. 

De volta ao arquivo em branco! Totalmente em branco porque já havia apagado as poucas palavras que escreveu. Sentiu falta de casa, das promessas de futuro luminoso, do bom e do belo de que ouvia falar e experimentava em sua pequena cidade, nos círculos que frequentava. Estava tão longe de lá agora! Estava longe das pessoas queridas, dos aromas familiares, das conversas sobre o desconhecido. É certo que ele vivia o tal desconhecido agora, e não lhe parecia tão maravilhoso como imaginava. É claro que já conhecia todas essas realidades, esses conceitos que agora estuda, essas tendências que testemunha e que estiveram sempre ao seu redor. E quando não estavam ao seu redor estavam estampadas em capas de revistas, em jornais e programas, em modas e estilos musicais. Afinal de contas, não era nenhum alienado! Nada disso que o incomodava era surpresa, e então, por que o incomodava mais agora?

Talvez porque agora se sentia mais pressionado a se deixar levar pela maré que o circundava. Ahhh... Que irritação! Ainda bem que o café tinha um efeito de consolação impressionante. Pensou em seus sonhos, nas razões que o levaram até ali e nas teorias em que deveria se basear para escrever. Ninguém disse que ele não poderia discordar daqueles filósofos! Aliás, somente esse pesamento já o encheu de esperanças. Mas ainda não queria que seu texto fosse muito pessoal, não queria que fosse simplesmente algo sobre si... Refletindo um pouco, levantou as sobrancelhas e torceu a boca, e concluiu que não era definitivamente somente sobre si! Percebeu que o que pensava e acreditava eram realmente propostas para todos, especialmente para aqueles que estavam em seu convívio ultimamente. Ele acreditava naquilo! Acreditava em sua eficiência! Acreditava no luminoso, no bom, no belo. Sorriu...

Tomou mais um gole de seu café, percebeu que Chopin tocava mais animadamente seu piano, esticou os braços para frente, e com brilho no olhar e dedos rápidos, começou a escrever.   

terça-feira, 3 de março de 2015

Sobre o que não deve ser exclusivo

Starry Night | Vincent Van Gogh | 1889

Nascia de uma dor estranha, de uma vontade de gritar. Mas, calma, não era nada negativo. Pelo menos achava que não. Pensava e sentia tanta coisa ao mesmo tempo, e o maior desejo era, que no meio daquela turbulência, encontrasse sentido e paz.


Ultimamente andava pensando muito no como nossas atitudes afetam e causam respostas do outro e do mundo. Pensava: "Como têm ainda coragem de não acreditar em mudança, se eu a vejo tanto e com tanta frequência"? Não era possível que isso fosse uma graça exclusiva! Não mesmo!

Pensava na beleza do emocionar-se e de emocionar-se com a beleza. A beleza que chega até a constranger... Beleza do puro, beleza do som, beleza do outro, beleza dos sentimentos, beleza das palavras, beleza das atitudes, beleza das lutas nobres, beleza da superação, beleza do simples, beleza do que inspira! Quanta beleza! Não enxergam e não percebem? Não pode ser graça exclusiva! Não mesmo! 

A dor estranha era como de algo que queria ir ao encontro. Ao encontro do que? Ao encontro de quem? Era uma certeza que queria explodir, que queria transbordar, que queria ter voz, que não cabia onde estava. Aquilo precisava fluir e dar vazão à todo o conteúdo que tinha, à toda a potência que vinha de algum outro lugar. Sabia que vinha de outro lugar, aceitava que não lhe pertencia. E que certamente não era graça exclusiva! Não mesmo!

Era algo que fazia vislumbrar em si uma pequenez imensa, com o perdão do paradoxo. Nunca tinha sido tão linda tamanha insignificância. Era um reconhecimento sobre si que tornava tudo até engraçado, que gerava uma liberdade extasiante. Nada! Pequenez e insignificância benditas! Será que era graça exclusiva? Não mesmo!

Perdia-se nas possibilidades. Um suave e profundo mergulho em si. Possibilidades para agora, para amanhã, para sempre. Meio avessa à insignificância era essa certeza da possibilidade; isso se explicava totalmente pela aceitação, de que era a dor estranha que dava força à tudo. Era ela que movia, que fazia enxergar o possível, o belo, o simples, o novo, o desafio, o tudo, o nada, o outro, todos. Tomara que não seja graça exclusiva! Não mesmo!

Isso fazia suspirar, dava uma sede, dava uma vontade de sorrir, de chorar, de ir à todos os lugares, de ficar onde mais amava, de ver mais mudança, de ver mais beleza, de se emocionar de novo, de aprender, de deixar que a dor estranha crescesse e fizesse o que bem entendesse. Restava o pensamento de que aquilo jamais deveria ser uma graça exclusiva! E isso gerava um compromisso de dividir... E como se divide uma dor estranha? Talvez da mesma forma que adquiriu-a? Pensava: "Mas eles têm medo da dor! Esse medo que os tornou fracos, cegos e prisioneiros. Quisera soubessem que a dor é só parte do processo, quisera ajudá-los a deixar que a dor estranha os tomasse, mudasse, fortalecesse, fizesse enxergar e libertasse". Compreendia o medo, porque também sentia. Compreendia a fraqueza, a cegueira e a prisão, porque tudo isso lhe era muito familiar. Porém a dor estranha superava tudo! O que fazer? 

Sabia, com certeza, que isso tudo não deve ser exclusivo! Não mesmo!