segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

DJ

Estava numa convenção da qual deveria participar. Hipoteticamente era uma oportunidade de formação e aprendizagem. Entre palestras, painéis e workshops o dia terminava naquele coquetel, que não entendia porque deveria fazer parte do pacote 'formação'... Sem querer ser a pessoa anti social, não questionou a necessidade da presença ali, acolheu o todo que a providência havia lhe preparado.

Vista para o mar, na cobertura de um pequeno hotel, era, de fato, muito belo. A maresia tornava o clima exterior curiosamente parecido com o interior: agradável, e ao mesmo tempo desconfortável. Ria por dentro de toda a situação procurando um evento interessante naquela noite.

Bebidas, salgados, pessoas, luzes, uma pista de dança e um DJ solitário. Começou a prestar atenção naquele homem ali, no meio daquelas luzes todas. Parecia uma caricatura. Ele tentava se mover, levantar os braços, curtir tão intensamente a música, como se uma platéia numerosa estivesse inserida em sua 'vibe'. Mas, de fato, não estavam, não havia ao menos uma pessoa dançando.

E mais ainda, olhou ao redor, aquele olhar discreto, mas analítico, e percebeu que ninguém dava sinais de engajamento na dita 'vibe' do desolado DJ. Compadeceu-se dele, porém também não lhe fez companhia na dança e na empolgação.

Estava com algumas pessoas que conhecia, mas não tinha intimidade com nenhuma delas. Conversas aleatórias, comentários sobre o dia, sorrisos, tudo dentro da etiqueta social daquele momento. Um deles tinha o claro objetivo de networking naquele lugar e, com certa constância, saía para cumprimentar e fazer-se visto.

Tentou mergulhar nas simples conversas ali, mas logo viu-se novamente intrigada com o DJ. Foi quando, de repente, ele mudou de maneira drástica o estilo musical, mas continuou com o mesmo movimento corporal. Ainda caricato, com caras e bocas, levantando os braços. Da observação concluiu-se que a todos os estilo musicais se impunha uma só maneira de dançar!

Nessa observação que começou divertida, encontrou o evento que marcava sua noite de coquetel. Esse DJ ilustrava um sentimento bem típico e sobre isso começou a divagar... Sabe quando você está tão absorvido em uma situação que não se importa se o mundo não está naquele sentimento com você? Era essa umas das ocasiões à que isso remetia.

Mas não só isso. Pensou que a nossa vida, muitas vezes, poderia ser comparada ao trabalho de um DJ. As escolhas que fazemos, as decisões que tomamos, definem a música que será tocada. Decidimos e soltamos o som. Como foi uma escolha que fizemos, pelo menos a princípio, parece a melhor escolha do mundo. E por falar em mundo, poderíamos dizer que o mundo é aquela pista de dança, e o som que o DJ executa pode ou não reverberar de maneira que os outros decidam dançar, curtir, aprovar. O DJ quer defender suas posições, por isso se move, dança, ergue os braços e quer testemunhar para todos que aquilo é bom, quer convidar todos à sua pista de dança.

Pensou também o quanto isso pode ser um canto de sereia, ou seja, um som que engana que não é verdadeiramente bom. Cada pessoa, cada DJ, vai tocar sua canção e querer que o resto do mundo se engaje naquele ritmo, mas aí entra o fato desse DJ inspirador ser tão caricato... Na vida, podemos reverberar nosso som, vender nossa ideia com nosso corpo e com todo nosso ser, mas será que o que se ouve é uma melodia real, que quer atrair os outros para algo bom?

Enfim, sem querer esgotar a reflexão, e muito menos pensar no pobre DJ como um vilão, viveu o resto daquela noite tentando se envolver mais na conversa, mas permanecia absorvida no questionamento: que tipo de música tem tocado em minha pista de dança? Desejou em silêncio que seu som se propagasse com uma melodia que fosse muito atraente, mas não atraísse para si. Que ecoasse o ritmo da Verdade, do Bem, da Beleza, que fizesse com que quem entrasse em sua pista de dança fosse transportado para um sentimento que transcende essa realidade tão sujeita à enganos, superficialidades e imagens fabricadas. Que não fosse de um jeito caricato, mas que seu entusiasmo fosse autêntico, que se movesse com um dinamismo coerente, que seus gestos comunicassem a alegria de estar envolvida em uma canção que não acaba quando os outros desaprovam, quando vão embora, ou quando a luz se apaga. Uma canção eterna, uma canção real. 

Se fosse DJ era isso que queria tocar, e encher sua pista de dança de uma festa que não tivesse um fim em si mesma. Enfim, pelo menos dentro de si, aquele coquetel terminou com um saldo positivo.