Nos últimos dias repassava involuntariamente as muitas memórias e aspirações de um quê sem raiz, sem futuro, mas que se impunha de modo tão forte, que parecia inevitável.
Sonhos! Desejos! Imaginação! Ilusão! Quanto poder o que não tocamos pode ter, como se quisesse tornar-se palpável, vencendo pelo cansaço aquele interior que luta de maneira inútil contra o que não existe, porém tem cores extremamente reais.
Era dolorido perceber que não havia superado, ainda, fatos que esperava terem sido resolvidos. Sentia-se como uma pessoa presa por elásticos, que caminhava, caminhava, caminhava, mas em certo ponto, era impulsionada para trás, como se o elástico esticado, a prendesse e dissesse que seu lugar era lá, no início.
Que frustrante! Não queria aceitar essa derrota, não queria manter-se limitada por aquele sentimento que a jogava para trás, para o passado, para o que já fora vencido. E, realmente, a vitória aconteceu? Pensar nisso trazia aqueles suspiros longos, profundos e preocupados. Não era aceitável esse tipo de estagnação, que gerava um retrocesso nada proveitoso, que gerava desejos vãos.
O desejo parecia ser o problema! Desejos! Por que parecia que seu juízo sempre dava mais brilho ao que não era luz verdadeira? Por que era tão atraída por aquilo que sabia que não condizia com o caminho que aprendera, que assumira, que aceitara como seu, como dom, como dádiva?
Incoerência. Inconsistência. Não queria ser assim. Não queria continuar assim. Mas o canto da vida que não era sua, continuava entoando doces e inebriantes melodias, seduzindo, chamando... enganando.
Basta! Não mais permitiria ser iludida assim. Resolveu lutar, mas não estava certa de que saberia usar as armas dessa batalha. Afinal, as armas revelavam a exigência do caminho, que era certo, porém extremamente comprometedor.
Numa dor visceral, num combate que parecia dividir seu ser em dois, encontrava-se na iminência de uma decisão. Decidiu libertar-se dos elásticos, decidiu não render-se as luzes artificias da sedução. Decidiu assumir o caminho árduo e ascético.
Mas parecia que seus sentidos não comungavam todos da mesma decisão. Alguns continuavam correndo em outras direções, cansando a alma, desgastando suas forças, confundindo o que já era decidido.
Como podia sentir tanta falta de algo que não existia? Achava-se louca, as vezes. Uma coisa era inegável: sua imaginação era realmente fértil. Era uma melancolia que transparecia uma certa aflição em seu rosto. Uma tensão que transbordava em um modo de falar e agir do qual não se orgulhava. Como se sua alma gritasse por socorro, mas seu corpo rejeitasse tudo que se aproximava para ajudar.
Cansada de querer o que não era real, de sentir o que não era nobre, de sonhar o que era simples fantasia. Cansada de ver claramente por onde deveria andar, que virtudes deveria ter, que sementes deveria plantar, mas dar um passo para frente e dois para trás, numa aparente incompetência irritante, desgastante.
E o que mais era constrangedor nas reminiscências dessa vida que se esticava para alcançar mas nunca tivera, é que a Vida, real, plena, valorosa, continua humilde, sólida, paciente, amante, esperando uma resposta generosa e determinada de seu ser tão obtuso.
Quanta esperança! Quanto amor! Quanta misericórdia! Fechou os olhos por um instante e suplicou interiormente que a vida que nunca fora sua, jamais roubasse a vida que estava a sua frente pronta para ser abraçada e vivida, com seus desafios grandiosos, mas sua plenitude infinita.
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