Era final de tarde de um dia bem frio. Apesar da baixa temperatura o céu estava lindo e o final da tarde desenhava-se com uma beleza promissora. Já que era assim, porque não assistir ao começo da noite na beira do rio? Ia ser interessante...
Camadas de roupa e café do lugar preferido para aguentar o frio. Chegando no deck teve a certeza de que ir ali tinha sido uma ótima ideia. Um homem tocava violão em um canto, queria ouvi-lo, mas sua seleção pessoal de músicas estava perfeita... humm continua com os fones de ouvido se perguntando se teria sido melhor ouvir o rapaz... Outro ponto é que queria estar na parte maior do deck, onde há bancos e a vista é mais completa.
Perfeito! Não tinha muita gente ali... O banco que estava bem no meio da paisagem estava disponível, fato raro! Sentou-se, bebia seu café e observava a paisagem: tinha sido realmente uma boa ideia! Dali se via o rio, a ponte, os barcos, o resto do deck... era lindo! O frio contribuiu para a baixa movimentação de pessoas, mas vez ou outra apareciam alguns casais, ou famílias, ou amigos por ali.
O céu estava majestoso! Várias cores e tons que se fundiam e contrastavam com o reflexo do rio. Apesar de tudo estar tão bonito, lamentava ver que rio estava ficando cada vez mais sujo! Que triste!
Foi nesse cenário de frio e beleza que começou a se divertir com as pessoas que por ali passavam... TODOS tiravam fotos! E o que mais chamava a atenção era que a maioria só tirava a foto e ia embora, nem apreciavam a vista!
Por certo tempo, também parou de olhar a paisagem... o estudo humano havia ficado interessante! Ria internamente e, as vezes, até um sorriso escapava observando como algumas pessoas ficam extremamente desconfortáveis posando para uma foto! Os que estavam em dupla, faziam a clássica troca do: eu tiro sua foto e depois você tira a minha. Outros fotografavam a paisagem em diferentes ângulos. Outros tiravam uma foto e passavam. Outros faziam poses, riam, faziam graça... Observando essas pessoas, se identificou com vários casos... Riu!
Foi quando se deu conta de como a lua estava linda! O dia ainda não havia escurecido, mas ela já estava ali! Brilhante, grande e cheia! Não resistiu e resolveu tirar uma foto também... e por isso riu! O momento não se manteve tão gracioso depois que constatou que a foto não retratava nem a metade da beleza que estava vendo! Não ia mais tirar nenhuma foto, se não fosse pelas gaivotas que começaram a desfilar por ali!
As pessoas que passavam também as percebiam, e todos tentavam registrar a exibição daquelas aves. Até que uma parou em uma espécie de tronco na beira do deck e ali ficou! Posando para quem quisesse fotografar! E realmente era uma imagem digna de registro! Rio, céu, sol e lua, ponte, barco, gaivota.
Divertiu-se quando como em uma dança coreografada a gaivota 'modelo' voou e outra imediatamente tomou seu posto, e as fotos continuaram... Divertiu-se ainda mais quando um rapaz pediu que tirassem uma foto dele ao lado da gaivota... Tudo certo, modelos a postos a na hora da foto... a gaivota voou! E dessa vez nenhuma outra modelo tomou seu lugar! Riu! Pensou: gaivota metida não queria dividir a fotografia com ninguém!
Isso fez pensar ainda mais em toda aquela situação fotográfica! A gaivota exibida, queria as fotos só para ela! Querendo penetrar na beleza da paisagem e ficar no centro da atenção! Ela, sendo uma ave, naturalmente não tinha consciência nenhuma sobre a beleza do lugar, sobre o quanto se deve sentir grato por ter a oportunidade de prestigiar e dividir espaço com tamanha beleza. Estava ali por que estava, voava porque é o que as aves fazem, agia por instinto, por condicionamento da espécie.
Depois de pensar tudo isso sentiu-se mau por fazer tal análise sobre o comportamento da gaivota... e mais assustador foi pensar que muito daquilo se aplicava também às pessoas que observou... Pessoas com quem se identificou!
Com um sentimento estranho refletiu sobre como tantas vezes estamos tão presos à imagem, à foto... e esquecemos de seu sentido. E assim seguimos, usando o registro para gravar uma imagem nossa que nem sempre é real, querendo nos fundir com um lugar que não é o nosso, querendo mostrar, querendo nos promover, tirar fotos e tirar das fotos o caráter de memória, de significado... Agora é só imagem.
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